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Cardeal canadense Marc Ouellet aborda vocação batismal em conferência que abre semestre letivo da Teologia
Cardeal Marc Ouellet durante conferência na PUC-Rio - Foto: site Vatican News
Na manhã do dia 15 de março, autoridades eclesiásticas, padres, seminaristas, diáconos, religiosos e leigos receberam o cardeal canadense Marc Ouellet, na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, para a conferência Por uma Teologia Fundamental do Sacerdócio, que também abriu o semestre do Departamento de Teologia.
O cardeal já esteve algumas vezes na Universidade, mas, segundo ele, a mais memorável foi em 2013, quando integrava a comitiva do papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude. Ouellet está há anos empenhado em despertar vocações batismais: “não apenas a vocação sacerdotal dos padres, mas também a vocação do matrimônio, das famílias e da vida consagrada nos carismas particulares da Igreja, todas muito importantes, mas não suficientemente conhecidas e integradas”.
Prefeito Emérito do Dicastério para os Bispos e Presidente Emérito da Pontifícia Comissão para a América Latina – o sacerdote canadense se notabilizou mundialmente em 2022, ao organizar, com a participação de Francisco, um congresso na Aula Paolo VI do Vaticano, que transmitiu uma visão fundamental da articulação intrínseca entre o sacerdócio de todo fiel e o sacerdócio do ministério ordenado.
Este mês, no Brasil, a PUC-Rio é a quarta instituição visitada pelo cardeal, após realizar conferências em São Paulo, Belo Horizonte e Brasília, sempre ao lado de sacerdotes brasileiros que trataram de assuntos correlatos. No caso da Universidade, o acompanhou o padre Vitor Galdino Feller, vigário geral da Arquidiocese de Florianópolis, que abordou o tema Sacerdote e missionariedade.
Na cerimônia de abertura, o reitor da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, padre Arnaldo Rodrigues, saudou os membros da mesa: o Grão-chanceler da PUC-Rio e arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani Tempesta, O.Cist, o bispo de Nova Iguaçu e presidente da Regional Leste 1, Dom Gilson Andrade da Silva, e o reitor da PUC-Rio, padre Anderson Antonio Pedroso, S.J., lembrando que a Igreja da PUC-Rio, “com todo o seu esplendor religioso e artístico, é fonte de vida e sabedoria que irriga e reanima cada membro do grande corpo da Universidade”.
Com a palavra, o arcebispo do Rio de Janeiro agradeceu o empenho do cardeal Ouellet tanto em trazer seus livros – que resumem o simpósio de Roma e foram lançados em dois volumes, pelas edições Paulinas – quanto em tratar pessoalmente do tema, informando que o seminário se dava às vésperas da ordenação presbiteral de 18 sacerdotes na Catedral Metropolitana.
O Grão-chanceler da PUC-Rio alertou ser pertinente observar que uma visão pretensamente atualizada do sacerdócio pode acabar por reduzi-lo, “ao exigir-se um ministério eficiente e funcional, bem ao modo da mentalidade produtivista que domina o mundo, e considera, como fim único, a produção máxima que números e estatísticas podem comprovar”. Para Dom Orani, ao enfrentar essa distorção, cardeal Ouellet tem a audácia de voltar às raízes mais profundas do sacerdócio quando aponta seu fundamento na doação mútua das pessoas trinitárias.
Dom Gilson Andrade da Silva enfatizou a longa experiência pastoral no contato direto com bispos e padres, especialmente na missão que Ouellet desenvolveu durante anos no Dicastério para os Bispos. De acordo com o bispo, nas primeiras décadas após o Concílio Vaticano II, o tema da identidade presbiteral foi amplamente debatido e aprofundado, sendo a literatura sobre o assunto vastíssima e muito rica. Salientou, entretanto, que a tarefa existencial continua sendo aquela indicada pelo papa São João Paulo II em uma de suas visitas apostólicas à África: “a maior tarefa do sacerdote é crer no próprio mistério, um mistério que é dom e tarefa, e que se realiza no cotidiano na vida do padre...”.
O reitor da PUC-Rio, padre Anderson Antonio Pedroso, S.J., em sua mensagem de boas-vindas, citou o Marco Referencial 18 da Universidade: “Como Universidade Católica, a PUC-Rio assume claramente sua missão evangelizadora e de instrumento privilegiado da Igreja na pastoral da Cultura, procurando ser fiel à doutrina de Cristo, transmitida pela Igreja Católica”.
– A ocasião tem a ver com a busca por estabelecer uma cultura de diálogo, de aprofundamento, especialmente em relação ao sacerdócio, à identidade presbiteral, e também, naturalmente, a toda a dimensão batismal, sobre a qual o cardeal Ouellet tem uma grande reflexão, que faz eco ao magistério do papa Francisco... – observou padre Anderson.
Por uma Igreja sinodal
Celebrando a ordenação dos 18 novos sacerdotes, mencionada por Dom Orani, o cardeal Marc Ouellet deu início à conferência recordando que, no congresso de 2022, o papa Francisco ofereceu uma “magnífica meditação sobre a espiritualidade sacerdotal, sobre as quatro proximidades essenciais na vida dos sacerdotes: a proximidade de Deus, a proximidade do bispo, a proximidade dos colegas sacerdotes e a proximidade do povo de Deus, uma bela síntese pessoal do Santo Padre que a mídia difundiu em todo o mundo”.
Segundo o cardeal, três dias intensos de conferências e debates forneceram elementos muito importantes para a reflexão sobre todas as vocações, em uma verdadeira atualização das orientações do Concílio Vaticano II sobre a teologia do sacerdócio, incluindo o sacerdócio comum dos batizados e o sacerdócio particular dos ministros ordenados. As atas do congresso, que o cardeal está empenhado em dar a conhecer através de seu livro, palestras e das jornadas de estudo promovidas em todos os continentes, objetivam a formação inicial e permanente dos sacerdotes, a formação dos religiosos e leigos, assim como os movimentos eclesiais e apostólicos:
– A organização de toda essa jornada se deve ao Centro de Pesquisa e Antropologia das Vocações, fundado em 2020, por minha iniciativa, com o apoio de um grupo de amigos; está sediado na França, mas com uma visão internacional. O principal objetivo do Centro é apoiar as vocações, todas as vocações, e lançar luz sobre o sentido da vida como vocação. Isto parece-me muito importante para apoiar a procura de uma Igreja mais sinodal, pois a maior participação do povo de Deus na comunhão e na missão da Igreja pressupõe maior consciência vocacional; um compromisso de cada batizado com sua missão no projeto de Deus – orientou o cardeal.
Ouellet chamou a atenção para a primariedade do sacerdócio comum a todos os batizados como aspiração às demais vocações ministeriais, e enfocou questões próprias ao sacerdócio no Brasil e na América Latina, aspectos do sacerdócio tratados no Concílio Ecumênico Vaticano II, mas ainda pouco explorados, e a teologia do sacerdócio à luz da pneumatologia, como mediação do Espírito Santo.
– O Concílio Vaticano II nos convida a alargar a nossa visão do sacerdócio, reenquadrando o sacerdócio hierárquico ao serviço do sacerdócio filial e fraternal dos batizados. Esta perspectiva sacerdotal, desenvolvida pelo simpósio romano, aponta o caminho para a conversão missionária da Igreja. Porque esta perspectiva revaloriza a comunhão eclesial como sendo essencialmente missionária. Ao mesmo tempo, desperta o sentido da vida como vocação e a alegria da existência cristã. Além disso, oferece uma eclesiologia mais equilibrada para a colaboração e a comunhão entre pastores e fiéis, nomeadamente para superar as rivalidades, os conflitos e as lutas de poder, que ocupam demasiado espaço em certas propostas sinodais. A abordagem pneumatológica aqui preconizada procura, por outro lado, consolidar a cultura do encontro, tão cara ao papa Francisco, e a colaboração harmoniosa entre os diversos carismas missionários que configuram e dinamizam a comunidade eclesial – salientou.
Para Ouellet, todos os batizados, homens e mulheres, tendo recebido o selo da filiação divina, participam, enquanto filhos e filhas de Deus, no Filho, na sua vida trinitária-filial, que inclui a participação no mistério da sua coexpiração do Espírito Santo com o Pai.
– Esta participação de cada batizado na relação entre Cristo e o Espírito é, a meu ver, o fundamento e a essência do sacerdócio comum dos fiéis – assinalou, observando que os leigos ajudam a desenvolver um clima de fraternidade em todas as suas relações humanas, participando, assim, da ação santificadora do Espírito Santo no mundo.
Sacerdócio missionário
Na segunda parte do encontro, padre Vitor Galdino Feller, vigário-geral de Florianópolis, abordou a missionariedade da divina trindade; a missão de pastor, semeador, pescador; a missionariedade do sacerdócio de Cristo; a missionariedade do sacerdócio comum dos fiéis; e a missionariedade do sacerdócio ministerial ordenado.
Sobre o último tema, padre Feller observou que "a missionariedade do sacerdócio exige dinamismo, ousadia, saída e aventura, algo estranho para a maior parte dos presbíteros", assumindo que, há tempos, a Igreja suplica que sejam missionários, que saiam de seus muros, de suas casas e secretarias paroquiais para se tornarem agentes de uma pastoral decididamente missionária.
O vigário mencionou ainda que a dimensão missionária do sacerdócio ordenado também se manifesta na pregação do evangelho, interpretando a palavra de Deus à luz da tradição e aplicando-a aos desafios contemporâneos. Para Feller, a missão social do sacerdócio ordenado é evidente na participação ativa dos ministros ordenados nas questões sociais e éticas, como defensores da justiça e promotores da dignidade humana, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e compassiva.
O sacerdote de Florianópolis encerrou sua exposição reforçando que a missionariedade do sacerdócio de Cristo reflete-se na missionariedade do sacerdócio batismal e na missionariedade do sacerdócio ministerial:
– Um grande convite a sermos não apenas pastores das ovelhas que já são nossas, mas também semeadores do Reino de Deus, no vasto campo que é o mundo; e pescadores nesses mundos tão difíceis, tão conflitivos, tão complicados, onde somos chamados, hoje, a anunciar o Evangelho do Senhor.
Missa - Às conferências, seguiu-se celebração eucarística comandada pelos cardeais Marc Ouellet e Dom Orani Tempesta, O. Cist, e pelo reitor das PUC-Rio.
Nas palavras de padre Anderson, a vinda do cardeal foi uma alegria muito grande para a Universidade, onde encerra seu percurso pelo Brasil deixando uma visão muito profunda e atualizada do sacerdócio batismal:
– Todos nós somos sacerdotes pelo batismo, temos uma função na Igreja; ele traz essa Igreja sinodal, do papa Francisco, e nos provoca, como Universidade, a dar lugar, cada vez mais, ao protagonismo dos leigos. Ele traz uma integração muito grande e isso é muito importante como mensagem para a PUC-Rio – refletiu o reitor.