Pesquisa, Desenvolvimento e Extensão
Autonomia da arte é tema central de projeto Capes/PrInt envolvendo filosofia, história e letras, além de universidades europeias e americanas
Os professores Luiz Camillo Osorio (à direita), Sergio Martins (à esquerda) e Pedro Duarte durante suas apresentações em seminários na University College London E na University of the Arts London - Fotos: divulgação
Que sentido pode ter a autonomia do pensamento artístico em relação ao mundo em que está, sem que signifique um isolamento alienado deste mundo? Ou melhor: como a arte pode conquistar um núcleo próprio de pensamento que não esteja apenas refém das demandas exteriores, mas mantenha uma relação aguda com o mundo?
A pergunta teórica formulada através da filosofia por diversos autores – desde Kant, no final do século XVIII, até Adorno ou Walter Benjamin, no século XX – segue viva no debate e no pensamento acadêmico mundial, e foi a principal motivação da criação do grupo de pesquisa do CNPq Arte, Autonomia e Política, no final de 2016, nome também dado ao projeto Capes/PrInt, que envolve, além de professores da Filosofia e da História, pesquisadores de renome internacional da Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha e Portugal.
– A ideia, no fundo, é entender como a arte se relaciona com o mundo e, mais especificamente, como se relaciona com um mundo onde a estrutura mercadológica parece colonizar tudo, inclusive a própria arte, impondo temas, demandas, formas e linguagens para que seja vendável para um determinado público, seja ele de elite ou popular – esclarece Pedro Duarte, professor dos programas de pós-graduação em Filosofia e em História Social da Cultura (História da Arte), coordenador do projeto. O Capes/PrInt também conta, como integrantes principais, com os professores Luiz Camillo Osorio, dos programas de pós-graduação em Filosofia e em Letras, e Sérgio Martins, do programa de pós-graduação em História Social da Cultura (História da Arte).
O projeto Capes/PrInt procura aliar os exames filosófico, teórico, histórico e crítico da arte, em sua relação com a sociedade e a cultura contemporâneas, buscando definir os termos em que autonomia e política ainda se articulam no presente. Também se propõe a pensar a autonomia da arte no interior da espetacularização da cultura e da disseminação do mercado, e a discutir os limites e os desafios do que se poderia denominar de política das artes, sem esquecer do engajamento do artista e da crítica no contexto institucional da arte. Segundo o coordenador, com a globalização do circuito artístico e as especificidades de contextos culturais e históricos, o projeto vai atrás de perspectivas de reflexão sobre a arte contemporânea, onde a crítica seja ao mesmo tempo problema e compromisso:
“O interesse do nosso grupo está na zona de atrito mais do que na busca de uma solução do tipo “a arte tem que ter total autonomia, se afastar do mundo para criar com toda liberdade”. Queremos pensar a complexidade do relacionamento incontornável da arte com o mundo moderno do capitalismo, buscando maneiras de, no interior desse mundo, ter uma dimensão crítica”, reafirma.
Neste sentido, vários movimentos artísticos nacionais e internacionais são abordados em seminários, palestras e cursos ministrados na PUC-Rio e nos países envolvidos – observa o professor, que cita o Tropicalismo como um estudo de caso exemplar:
– O Tropicalismo, movimento cultural do final dos anos 1960, representa um momento de intensa experimentação de linguagem artística. No seu início, em 1967, foi emblemática a mistura da música de Caetano Veloso e Gilberto Gil com a música de vanguarda erudita, representada por Rogerio Duprat e Júlio Medaglia, maestros e arranjadores de shows e discos tropicalistas. Foi Duprat, por exemplo, quem definiu boa parte da estrutura de pensamento musical do disco Panis et Circencis. A Tropicália foi um momento em que a canção tinha uma dimensão popular, aberta internacionalmente pela influência dos Beatles, junto com maestros de música de vanguarda impressionantes. Ao mesmo tempo, esses artistas não estavam indo apenas aos grandes festivais da televisão, iam também ao programa do Chacrinha. Então foi uma parte da história muito rica para se pensar as relações entre arte, autonomia e política. Mas esse é só um de muitos casos. O professor Sérgio Martins tem pensado a produção do artista plástico brasileiro Antonio Dias, e o professor Camillo, a do Helio Oiticica. São vários movimentos e artistas passíveis de análise teórica, agora impulsionada pela internacionalização.
Duarte considera sua ida à Inglaterra – junto com os professores Sérgio Martins e Luiz Camillo Osorio, para participarem e palestrarem nos eventos Parataxis, na University College London, e Art Under Attack: censorship, social media and the rise of populist politics, na University of the Arts London – como o primeiro grande marco de interação internacional. “Deu muito orgulho falar sobre a arte brasileira – no meu caso, com Caetano e Gil atrás, na fotografia – no mesmo espaço em que pesquisadores como Briony Fer, da University College London, ou Michael Asbury, da University of the Arts, nossos interlocutores, abordavam exemplos de lá. Na ocasião, também estivemos em duas reuniões com curadores das galerias de arte Tate Britain e na Tate Modern”.
A partir desse encontro, os debates do grupo de pesquisa se desdobraram, sobretudo para duas universidades de Portugal: a Universidade Nova de Lisboa e a Universidade Católica Portuguesa. No primeiro caso, através da cooperação internacional do professor Pedro Duarte com o professor João Constâncio, diretor do Instituto de Filosofia da Nova envolvendo debates historicamente amplos sobre o início da autonomia da arte na época moderna.
– Teve um fato muito instigante que foi, no final do século XVIII, a quase simultânea publicação do livro Crítica do Juízo, de Kant (formulação teórica e filosófica da autonomia do sentimento estético*), e a cristalização social do museu tal como temos até hoje (a ideia de um museu público, aberto, como um lugar específico da arte). Isso é fundamental porque, antes do século XVIII, a arte estava muito misturada à religião e à política. Quando se pensa na arte italiana do Renascimento, por exemplo, ela está nas igrejas, nas praças. Houve um processo de reivindicação histórica (seja teórica, filosófica, crítica, seja de prática social) de uma instância autônoma para o sentimento estético ou para a arte, uma instância que não se confundisse com outras. Isto transpareceu na filosofia, com Kant, e na sociedade, com os museus públicos: não mais as coleções privadas da aristocracia, mas um lugar que as pessoas fossem para ver arte e que não estivesse, necessariamente, misturado com outras dimensões.
Duarte destaca que essa foi uma discussão muito importante para o Projeto, desdobrada em conversas com o professor Constâncio que envolveram a participação do coordenador, por vários anos, no Mestrado de Estudos Artísticos da Universidade Nova de Lisboa, e a atuação de João Constâncio na PUC-Rio, inclusive proferindo a aula inaugural do curso de Filosofia em 2023.
– É uma colaboração muito intensa e, ainda em 2023, iniciaremos o lançamento de uma coleção de ensaios sobre filosofia e literatura fruto da parceria entre a Nova e a PUC-Rio, dentro do contexto de arte. Dois volumes estão prontos, um sobre a escrita a partir de Roland Barthes e o outro sobre o erotismo na literatura brasileira. Os livros serão lançados em eventos tanto no Brasil, como em Portugal. A ideia é que a coleção chegue a dez livros. Quem a organiza comigo é a investigadora Tatiana Salem Levy, da Nova de Lisboa, escritora conhecida e premiada.
Na Universidade Católica Portuguesa, a interação se dá em especial com a Escola das Artes do Porto, através do professor Nuno Crespo, diretor da escola. Pedro Duarte acaba de retornar após ministrar um workshop na summer school da UCP, e o professor Crespo virá à PUC-Rio duas vezes neste segundo semestre. “Na UCP, o professor Camillo e eu também coorganizamos spring seminars em 2022 e 2023, muito do ponto de vista teórico e com pesquisadores renomados do calibre do norte-americano David Joselit, de Harvard, e do português Delfim Sardo”.
*A Crítica do Juízo, de Kant, constitui a grande formulação da autonomia do sentimento estético. Segundo Pedro Duarte, o filósofo buscou reivindicar que a relação do ser humano com o mundo, por meio da beleza e do sublime, deveria ter uma autonomia, uma independência de seu contato cognitiva com o mundo em busca da verdade e de seu contato moral com o mundo em busca do bem.
Principais Instituições parceiras do Capes/PrInt Arte, Autonomia e Política:
University of The Arts London – Reino Unido
University College London – Reino Unido
University of Florida – Estados Unidos
Freie Universität Berlin – Alemanha
Universidade Católica Portuguesa, Porto – Portugal
Universidade Nova de Lisboa – Portugal