Pesquisa, Desenvolvimento e Extensão
Projeto multinacional, coordenado pelo professor Arthur Ituassu, da Comunicação Social, com financiamento da Capes, CNPq e Faperj, produz novo artigo para revista americana
O artigo Postmodern Without Modernization: Ages, Phases, and Stages of Political Communication and Digital Campaigns in Brazil (2010–2020), do professor Arthur Ituassu do Departamento de Comunicação Social, foi publicado, recentemente, no International Journal of Communication, da Universidade do Sul da Califórnia Annenberg. Fruto de um projeto de pesquisa multinacional, que estuda mídias digitais e democracia na América Latina, o trabalho analisa as consequências da internet nas eleições e na democracia brasileira a partir de uma perspectiva histórica.
– O ano de 2010 é um marco, um turning point no uso das mídias digitais na política brasileira. Até então, os candidatos não podiam usar as redes sociais, eles passam a poder utilizá-las por conta de uma mudança na lei eleitoral em 2009. Naquele ano, passamos a verificar o uso intenso das mídias digitais por candidatos como José Serra, Marina Silva, Plínio de Arruda Sampaio e a própria Dilma Rousseff, esclarece o professor, que também integra o programa de pós-graduação de Ciências Sociais.
A pesquisa entre países é conduzida, no Brasil, pelo Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política (COMP) da PUC-Rio, que compreende alunos de graduação, mestrado e doutorado, além de doutores, sob a coordenação de Ituassu. Conta com o financiamento do Capes-PrInt, do edital Pró-humanidades, do CNPq, além da Faperj, e parcerias com o Laboratório de Comunicação Política da Universidade Autônoma de Nuevo León, no México, e o Center for Latin American Studies, da Universidade do Arizona.
– É um projeto de mais de três anos que procura entender consequências relacionadas às mídias digitais para os processos eleitorais e a democracia no Brasil e na América Latina. Busca também construir metodologias que possam servir para análises comparadas na região. O artigo publicado na USC Annenberg é mais um produto. Em 2019, por exemplo, publicamos um outro artigo em espanhol na revista Perspectivas de la Comunicación, que comparava a campanha do Trump, em 2016, à campanha do Bolsonaro, em 2018, lembra o professor, observando que a corrida eleitoral de Donald Trump, em 2016, impulsionou os estudos de campanhas digitais ligadas à questão da democracia:
“A campanha de Trump trouxe uma série de problemas do ponto de vista democrático e dos processos eleitorais – e conceitos como pós-verdade, fake news, processos de automação, processos de segmentação da comunicação, entre outros. Tudo isso já aparece em 2016, e não apenas na campanha do Trump, mas também no plebiscito do Brexit”, afirma. Para Ituassu, as novas preocupações acabaram por resgatar questões antigas, ressurgidas com mais vigor.
– Além de Jair Bolsonaro no Brasil, em 2018, Nayib Bukele, que vence as eleições em 2019, em El Salvador, rompe com 20 anos de domínio de partidos tradicionais no país, com um uso intenso de mídias sociais, robôs e fake news , estabelecendo um projeto bastante autoritário, inclusive com uma política de combate à violência bastante questionável no que diz respeito aos direitos humanos. É um presidente que demitiu cinco ministros do Supremo Tribunal Federal, e já tem domínio sobre o congresso e sobre o judiciário de El Salvador. Verificamos que esse perfil outsider, não convencional, que se utiliza de tecnologia digital para ganhar capital político, é um perfil preocupante na região como um todo. Nas eleições da Colômbia, por exemplo, a candidata a vice-presidente (eleita) Francia Marques, uma ativista negra, foi alvo de intensos ataques nas mídias sociais, inclusive racistas. Ao mesmo tempo, há relatórios mostrando o quanto o governo venezuelano utiliza uma máquina de infraestrutura digital para manipular a esfera pública durante os contextos eleitorais. É um fenômeno que vai além do que está acontecendo no Brasil, não apenas no nível federal, mas nos contextos eleitorais menores, em prefeituras, governos estaduais, eleições proporcionais para o congresso e câmaras municipais e estaduais. Está acontecendo em várias instâncias.
Para lidar com o novo fenômeno, o grupo de pesquisa do Departamento de Comunicação desenvolve metodologias digitais para o monitoramento de análises de rede e metodologias qualitativas próprias. Um artigo publicado na Dados, revista A1 da ciência política, foi todo elaborado com base em entrevistas semiestruturadas com profissionais de campanhas digitais no Brasil. “Nós entrevistamos 35 deles, com mais ou menos 1 hora de duração para cada entrevista, transcrevemos todo o material e fizemos uma análise temática coletiva da transcrição desse material”, informa Ituassu. O COMP utiliza as metodologias de forma muito pragmática, dependendo do objetivo. Muitas vezes as metodologias digitais, de análises de rede, geram relatórios que acabam repercutindo na imprensa: monitoramos, por exemplo, a eleição de 2022 no Brasil – anúncios pagos no Facebook, no Youtube, no Instagram... Tudo isto utilizando softwares produzidos aqui na PUC-Rio.
– Voltando ao artigo recentemente publicado no International Journal of Communication, ao abordar a história das campanhas digitais no Brasil, discutimos a radicalização da política brasileira – isso é algo que temos visto em outros contextos, conjuntamente com o desenvolvimento da comunicação política digital. É o que chamamos de co-ocorrência entre mudanças na comunicação e mudanças também na cultura política. Há uma relação direta e reflexiva entre comunicação e cultura: a cultura informa a comunicação e a comunicação constrói a cultura. Isso também acontece entre a comunicação e a cultura política, há uma transformação conjunta que, no caso, pode ser representada com a radicalização, onde há uma dificuldade maior no estabelecimento de consensos, observa o professor.
O artigo mostra um paralelo entre a mudança na comunicação política, com a chegada do digital no Brasil, e a mudança na cultura política, com o processo de radicalização da política brasileira, o que fica claro, hoje, nas discussões muito mais agressivas no Congresso Nacional:
– Tem uma lógica das mídias digitais que informa o comportamento dos parlamentares. Temos argumentado que esse é um processo de radicalização que se desenvolve em paralelo ao processo de transformação da comunicação. A mudança na cultura política brasileira é generalizada, do ponto de vista da radicalização, e vai incidir sobre todos os temas: políticas públicas, valores, ciência, informação.
O trabalho também sustenta que a radicalização está relacionada à ideia da equalização, que ocorre quando um político novo, minoritário, com poucos recursos consegue, via mídias digitais, competir de igual para igual com políticos tradicionais, majoritários, consolidados no contexto eleitoral, com grandes recursos e um grande partido por trás. O professor lembra que isso ocasionou uma grande renovação no Congresso Nacional em 2018, que se mantém em 2022:
– Renovações em todos os espectros. O PSOL, por exemplo, cresceu mais de 300% entre 2010 e 2020 no Congresso Nacional, assim como os partidos de extrema-direita que entraram de forma avassaladora, em 2018, representados por atores como Carla Zambelli, Joyce Hasselman, Luiz Felipe de Orleans e Bragança e, na Presidência, por Jair Bolsonaro. É o caso também de Nikolas Ferreira, em 2022, o parlamentar mais votado do país. Esse é um fenômeno novo e comum à América Latina. Nayib Bukele é um fenômeno de equalização, assim como Gabriel Borić.
No final do artigo, o professor aborda um paradigma oferecido pelo antropólogo argentino Néstor García Canclini acerca do “modernismo sem modernização”, avançando para o conceito de “pós-modernismo sem modernização”, a fim de pensar os contextos específicos da América Latina, abordados por Canclíni.
– Canclini diz que a América Latina sofreu um processo de “modernismo sem modernização”, ou seja, temos uma universalização do acesso aos bens culturais modernos, especialmente à televisão, sem o acompanhamento dos valores essenciais do modernismo, como a universalização da autonomia do indivíduo. Ou seja, promove-se o acesso universal aos bens, mas não aos direitos – direito à educação, direito a uma vida econômica plena. São os direitos que propiciam a autonomia na modernidade. A modernidade coloca a autonomia do indivíduo como elemento central. E o que se vê na América Latina é o acesso aos bens culturais – centrados nos grandes conglomerados, como os casos emblemáticos da Globo, no Brasil, ou da Televisa, no México – mas não aos direitos e à autonomia do indivíduo, pondera. E acrescenta:
– Hoje, temos uma configuração híbrida ou pós-moderna do sistema de mídias, não temos mais a configuração moderna clássica. E temos um contexto de pós-modernização sem modernidade. Houve um avanço ainda maior nas ferramentas, mas o indivíduo continua sem autonomia. É como se tivéssemos uma reprodução do modelo de Canclini, em que se universaliza o acesso às mídias digitais, às ferramentas, mas não há, novamente, a contrapartida da universalização do acesso aos direitos individuais, inclusive agora direitos pós-modernos, como o direito à privacidade, à transparência, à regulação, a uma informação de qualidade. São os novos direitos que estão sendo colocados em xeque. Não é à toa que temos aqui uma dificuldade de regulação. Por que os outros países têm uma facilidade maior de regulação e a América Latina tem uma dificuldade muito maior? Porque temos um contexto problemático, com uma multiplicidade de interesses envolvidos no processo de regulação e uma baixa preocupação com a provisão da cidadania.
De janeiro a maio 2024, como mais um desdobramento do projeto, Ituassu ministrará um curso sobre mídias digitais e democracia na América Latina como professor visitante Fullbright, no Center for Latin America Studies da Universidade do Arizona.