Prêmios e Destaques Acadêmicos
Luiza Marcier, de Artes&Design, vence com figurinos desenvolvidos para espetáculos distintos, que envolveram diretores e ex-alunos em intenso processo criativo
A professora e designer Luiza Marcier recebe o Prêmio Shell de Teatro (no detalhe), ao lado do ator Matheus Macena - Foto: arquivo pessoal
A professora Luiza Marcier, do Departamento de Artes&Design, conquistou o Prêmio Shell de Teatro, na categoria Melhor Figurino, pelos espetáculos Los Hermanos | Musical pré-fabricado, direção de Michel Melamed e produção de Felipe Argollo e Paula Rollo, e Restos na escuridão: uma engenharia reversa, direção de Fábio Ferreira e Carolina Virgüez.
A cerimônia de entrega do Prêmio Shell – que chegou à 34ª edição prestigiando, anualmente, artistas e espetáculos em São Paulo e no Rio de Janeiro – foi realizada na noite do último dia 12, no Teatro Sergio Cardoso, em Bela Vista, São Paulo.
Sobre a produção dos espetáculos, parcerias e desafios, a assessoria de comunicação da Vice-reitoria para Assuntos Acadêmicos (Ensino e Pesquisa) conversou com a designer premiada, o ator Michel Melamed e a ex-aluna do DAD Julia Roliz.
Ascom/VRAc - Como se deu o desenvolvimento dos figurinos para cada um dos espetáculos premiados? Alunos do Departamento de Artes&Design participaram dos projetos?
Luiza Marcier - Para o musical sobre a obra de Los Hermanos foram criados mais de cem figurinos para oito atores, em uma intensidade de trocas e atuações que ressignificaram o repertório da banda para os dias de hoje. Já o monólogo Restos na escuridão foi um processo aberto com pesquisas do diretor e da atriz, a partir dos textos de Samuel Beckett.
Ambos os trabalhos contaram com assistentes de figurino e estagiárias, todas ex-alunas, além de uma aluna de graduação em Design; em Los Hermanos | Musical pré-fabricado, tive a assistência de Ana Luiza Lima e estagiárias Carol Cravo e Elena Diaz. Em Restos na Escuridão, assistência de Julia Roliz.
O interessante da indicação de dois figurinos para o prêmio foi perceber as singularidades de cada trabalho e, ao mesmo tempo, buscar o que têm em comum. De um monólogo a um musical com cem personagens, realizar dois trabalhos tão aparentemente díspares mostra o quanto há de design no fazer figurino. No fundo, os figurinos são projetos de design. Pensar um figurino é fazer design, um design em movimento. Os trabalhos também são frutos de longas parcerias. Com Michel Melamed, são 25 anos entre teatro e televisão; com Fábio Ferreira, há trabalhos desde 2006. São diálogos profissionais que se construíram nesses anos. O teatro traz tessituras de outros tempos, para além do instantâneo.
Ascom/VRAc - Como foi o processo de criação junto aos atores e diretores?
Luiza Marcier - Los Hermanos| Musical Pré-Fabricado foi um trabalho muito intenso. Tivemos dois meses para realizar um trabalho de muito fôlego, com trocas de roupa rapidíssimas. Tudo começava com o texto e, no caso do Michel, o texto é uma urdidura que vai para além da trama: uma partitura contemporânea, algo que se lê em um espaço também abstrato e permite condensações plásticas bem radicais, nesse caso, inspiradas pelas músicas. É teatro, é poema, é cena, é engrenagem, é uma matemática poética.
Já em Restos na Escuridão, o trabalho partiu de três textos de Beckett e do encontro intimíssimo e valioso de Carolina Virgüez, a atriz, com Fábio Ferreira, o diretor, tradutor e cenógrafo. Me apaixonei no primeiro ensaio a que assisti, ainda antes da pandemia... Ouvir e ver a Carol dizendo aquele texto me trouxe mil imagens à cabeça. Às vezes é assim, a gente sente o figurino, imagina ele, como se desenhássemos no imaginário mesmo, desenhos em outro plano, desenhos no ar... Eu já sabia quais eram os figurinos, talvez, no momento em que saí do primeiro ou do segundo ensaio. O trabalho de figurinista traz uma “complexidade” do simples. Por vezes, é completar um traço que já está ali, fazer sentir ou dar a ver um gesto presente no corpo ou na fala da atriz. Como materializar isso em tecido da forma mais leve? Ou trazer rigidez para a matéria têxtil? O trabalho de Restos na Escuridão me comoveu por essa dobra que há em cada parte do trabalho, ainda que para dentro, como um plissado... Tem uma intenção ali presente. Os dois trabalhos têm esse encontro entre extensão e “intenção”.
Ascom/VRAc - E com relação à metodologia de trabalho?
Luiza Marcier - No caso de Melamed, a partir da narração da estrutura da peça, a equipe foi esboçando e detalhando as partes. Olhamos juntos muitas imagens. Como Michel é um autor original, muitas vezes as personagens vão surgindo junto com o texto, como se fossem personagens-poemas. Não é um roteiro em que se lê uma rubrica de figurino, mas se vai construindo durante o processo, em uma relação palavra-imagem bastante complexa. Foram feitos muitos desenhos, pranchas de referência, pesquisa de tecidos. Foi fundamental contar com um ateliê de costura instalado no mesmo prédio dos ensaios, na Associação Cristã de Moços, na Lapa. Isso facilitava as provas de roupa e ensaios de figurino, descreve a designer.
O teatro talvez seja um dos espaços mais radicais onde roupa e corpo trabalham juntos na construção de algo, no caso, uma multiplicação de personagens. Michel e eu temos uma coisa: sobre tudo, absolutamente tudo do figurino precisamos estar em acordo. Não há uma estampa de camiseta, um par de meias para os quais a gente não crie um sentido, um significado para fazer parte da peça. É como se cada item do vestir fosse também uma palavra nessa riquíssima estrutura dramatúrgica que ele constrói.
Ascom/VRAc - Como foi para as alunas já trabalhar em peças profissionais?
Luiza Marcier - Penso que foi um desafio tanto para mim, como profissional, que já atuo como figurinista há 30 anos, como para elas. Restos na escuridão começou seu processo logo antes da pandemia. O figurino e as primeiras versões filmadas foram desenvolvidos e executados em plena pandemia, isso foi um desafio total. Mas se Restos teve essa característica de um trabalho longo, musical pré-fabricado foi feito em um ritmo muito rápido, quase frenético, e foi o primeiro trabalho grande que assumimos logo depois da pandemia. Penso que essa transição de ritmo e de modos de fazer foi difícil para todos nós.
Por outro lado, vejo uma enorme profissionalização no teatro, de uns anos para cá, com a chegada das produções dos musicais. O campo do figurino é grande e essas produções o estão permitindo crescer ainda mais. Antes da pandemia, pudemos realizar um trabalho assim, quase um piloto, com o Projeto SOM, de Clara Kutner, com o Oi Futuro e os alunos do INES, e foi uma experiência transformadora. E vejo que há muito a aprender e construir nesse sentido. Ainda bem!
A assessoria de comunicação da VRAc também conversou com o ator e diretor Michel Malamed, sobre a parceria com Luiza Marcier, e com a ex-aluna de Design Julia Roliz sobre a participação na equipe do espetáculo Restos na escuridão...
Ascom/VRAc - Melamed, conte sobre sua parceria com a Luiza na produção dos figurinos.
Michel Malamed - Acho que faz quase 25 anos que a gente faz coisas juntos. Via de regra, para não dizer majoritariamente, foram trabalhos que eu comecei porque eram de minha autoria e direção. Eu chamo a Luiza, apresento a ideia. E aí o processo colaborativo se instaura.
A Luiza é uma artista brilhante, extremamente criativa e, não bastasse isso, ela ainda tem outro predicado, que, particularmente me é muito caro: o fato de ela ser incansável. Incansável na busca pela excelência, pela concretização do que foi criado, pensado, desejado, estabelecido. Isso é um dado muito importante, porque, como a gente está tratando de um trabalho criativo, a gente está falando de coisas inventadas, que, como o nome diz, não existem ainda no mundo. Então, a gente persegue essas coisas da nossa imaginação, a gente coloca elas no mundo. E é isso, tem muitas intempéries no caminho, mas, mais ainda, tem muita troca, e troca riquíssima.
Tentando ser sintético, o processo de criação de figurinos do Los Hermanos foi maravilhoso, foi extremamente criativo, e foi como sempre tem sido com a Luiza. Uma colaboração, uma troca incessante de visões e, no caso, para sorte minha, com uma pessoa extremamente talentosa e dedicada.
Nota: A parceria da professora Luiza com Michel Melamed continua com a peça Um filme Argentino, em cartaz no Teatro Adolpho Bloch.
Ascom/VRAc - Julia, como foi para você, ainda como aluna de graduação, ter começado a trabalhar em peças profissionais?
Julia Roliz - Trabalhei com a Luiza no desenvolvimento da peça Vozes do Silêncio, durante a pandemia. Esta peça, recentemente, ganhou uma nova versão, Restos na Escuridão. Fora essa produção, tive o prazer de trabalhar com ela, durante anos, em uma série de projetos como editoriais, desfiles, styling, confecção de roupas sob medida, entre outros.
A Luiza é extremamente importante na minha vida e na minha trajetória, não apenas como professora e designer, mas como pessoa, como criadora. Tive a sorte de começar a trabalhar com ela no início do curso, em seu ateliê. No começo, organizava os moldes e o espaço, fazia alguns pontos à mão, às vezes desenhava. Com o tempo, fui participando de mais projetos, ganhando mais responsabilidades e aprendendo também mais e mais com alguém que tem maestria no que faz.
Ter tido uma mestra na faculdade e, paralelamente, ter me aventurado no mundo profissional, botando a mão na massa, foi extremamente importante para entender as etapas, dores e delícias que acontecem entre o processo de ideação, produção e confecção de uma peça ou de um projeto.
Considero um privilégio ter podido estudar e logo colocar tudo em prática. Acho essa dobradinha essencial para nós enquanto designers, enquanto pensadores e fazedores. Para além disso, trabalhar em produções, sejam elas de pequeno ou grande porte, me fez enxergar a quantidade de mãos e mentes necessárias para sustentar essa engenharia deliciosa e complexa que move o mundo da criação e compreender a importância de cada pessoa para o funcionamento do todo. Não há moda, não há cinema, não há teatro sem gente. É um pensar-criar ancorado no coletivo. E isso é um fascínio sem fim.