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Vice-reitoria para Assuntos Acadêmicos

Pesquisa, Desenvolvimento e Extensão

Por Renata Ratton Assessora de Comunicação - Vice-Reitoria para Assuntos Acadêmicos
Deseducando a Educação

Em projeto Capes-PrInt, e com a parceria de universidades de cinco países, docentes da PUC-Rio repensam práticas e gestam bases para as transformações educacionais

Rosália Duarte, da Educação, coordena o projeto Capes-PrInt - Foto: arquivo pessoal
Deseducando a Educação - no primeiro produto do projeto, pesquisadores do Brasil e do exterior atuaram em parceria sobre diversos temas relacionados ao futuro da prática educacional

Em 2015, seis professores do Departamento de Educação se reuniram com o intuito de pensar o futuro das práticas educativas a 12 mãos. O resultado, Educação no Século XXI – Cognição, Tecnologias e Aprendizagens, foi lançado em 2016 pela editora Vozes, mas o trabalho conjunto não para de dar frutos, agora através de cooperações internacionais, financiadas pelo programa Capes-PrInt, com a Arizona State University e a North Central Texas College (Estados Unidos), a Universidad De Alcala De Henares (Espanha), a Pontificia Universidad Católica de Chile (Chile), a Universidad Nacional De La Plata (Argentina) e a University of Copenhagen (Dinamarca).

Educação no Século XXI discutiu a relação entre tecnologias da informação e comunicação (TICs) e aprendizagem escolar, e trouxe novas concepções sobre práticas educativas. O livro teve como fios condutores a cognição humana em seus processos centrais – percepção, abstração, atenção, memória, construção de significado e raciocínio – e a formação de identidades, entendidas como elementos constitutivos dos processos de formação humana. Além do contexto educacional, a relação entre cognição, tecnologias e aprendizagens foi vista a partir de um contexto de onipresença das TICs no cotidiano.

Em 2018, a equipe do Programa de Pós-graduação em Educação – constituída pelos professores Gustavo Fischman (Arizona State University), Cristina Carvalho, Giselle Ferreira, Maria Inês Marcondes, Mylene Mizrahi, Patrícia Coelho, Ralph Bannel, Sonia Kramer, Zena Eisenberg e Rosália Duarte – elaborou o subprojeto Formação Humana, Cultura e Aprendizagens para ser incluído no Capes-PrInt, eixo Arte e Cultura Contemporâneas, de forma a ampliar as discussões em torno da cognição humana, identidades e tecnologias. Isto em um cenário global marcado pela diversidade ética, religiosa, de gênero e de classe, em que a cultura é entendida como uma consequência de padrões de comportamento, artes, crenças e instituições, é mediada e constituída por linguagens que incluem mídias e tecnologias digitais, e é expressa em línguas e outras formas estéticas.

– A ideia é continuar pensando o futuro da educação entendendo o que é inovação no campo educacional, pois muito do conceito de inovação está associado a modelos de negócio nos quais há lucro, necessariamente. Então o que é efetivamente inovação no contexto da educação? O que ficou velho? O que pode ser descartado? São perguntas que propusemos como base para os trabalhos em curso envolvendo pesquisadores da PUC-Rio e estrangeiros – conta a professora Rosália Duarte, da Educação, coordenadora brasileira do projeto.

Segundo Rosália, a educação opera na interface entre conservar e transformar, onde não é possível jogar tudo fora porque existe uma transmissão em processo, mas também não se pode simplesmente ficar preso à tradição. “As mudanças educacionais operam sempre nessa fronteira entre conservar o que deu certo e o que já está consolidado e transformar o que não atende mais às necessidades dos estudantes, às pesquisas e às práticas educativas”, pondera.

Para dar início ao projeto Capes-PrInt, que recentemente gerou seu primeiro produto, Deseducando a Educação: Mentes, Materialidades e Metáforas (http://www.editora.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=881&sid=3), os pesquisadores elaboraram um desenho no sentido de reconceitualizar, deseducar, desfazer conceitos consolidados que não dão mais conta do necessário.

– Deseducar é fazer com que a educação repense aquilo que já é tradição. Qual base teórica pode sustentar um projeto de educação presente e futuro? E quais concepções da aprendizagem e conhecimento passaremos a usar daqui pra frente? Essa etapa foi cumprida ao longo de dois anos, com discussões teóricas diferentes, cada um de nós com seus interlocutores. Pensamos muitas vezes o que a educação entendia como aprender e o que as novas ciências vêm falando sobre os processos de aprendizagem, sobre o papel do corpo, sobre o papel da arte, sobre a relação entre mundo interno e mundo externo, entre cérebro e mente, entre cérebro, corpo e ambiente, entre ser humano e ambiente, natureza. Então revimos esses conceitos, e daí a ideia do deseducando. O que chamamos hoje de aprendizagem, de cognição, de educação, de práticas pedagógicas? O livro é uma síntese do que desenvolvemos como perspectivas teóricas, sob diferentes ângulos – revela a coordenadora.

Uma das perspectivas apontadas é a ruptura, em definitivo, com a ideia de que as pessoas aprendem isoladas em si mesmas, de que a aprendizagem delas depende apenas das habilidades de que dispõem (ou não dispõem) quando chegam ao mundo. Isso implica a ruptura com a ideia de uma concepção internalista de cognição e de aprendizagem como algo que acontece dentro da pessoa e, para que aconteça, seja preciso eliminar o máximo possível de elementos externos para que a racionalidade possa se estabelecer –  silêncio, pouco estímulo visual, corpo rígido na cadeira etc. –, uma concepção de escola do século XVIII:

– Ainda que possamos dizer que a escola de hoje não chega mais a esse nível, as bases conceituais da educação são muito difíceis de mudar: ainda que se possa mudar a sala de aula, o ambiente, a base teórica muitas vezes segue sendo a mesma. Corpo e arte, música, dança, educação física têm hora certa e, em geral, estão apartados das abordagens dos conteúdos científicos. Entendemos que cognição é mente, corpo e ambiente ao mesmo tempo. Não tem um “de dentro” e um “de fora”. O processo cognitivo é distribuído, mais do que individual. Quando eu conheço algo, eu não conheço sozinha, eu conheço porque eu dialogo com pessoas do entorno e a fala delas está na minha fala. Foi isso que fizemos no nosso processo de revisitar os conceitos-chave da educação, esclarece.

Para Rosália, a mudança metodológica não será suficiente para promover uma mudança efetiva no conceito enquanto se esperar, no fim, chegar a um mesmo lugar. Ou seja: de nada adiantaria modificar uma metodologia esperando chegar às mesmas resposta, num processo de homogeneização do pensamento. Num processo em que se espera mais respostas do que perguntas.

– Se formamos uma pessoa com capacidade de crítica, de pesquisar, de se apropriar dos conceitos que a ciência usa para pensar a realidade por conta própria, é claro que essa pessoa pode fazer provas, mesmo que sejam padronizadas. Só que a recíproca não é verdadeira. O grande problema é que a maioria das escolas forma para respostas e não qualificam os alunos para fazer perguntas e para operar com conceitos a partir da experiência da leitura de mundo. Então, dificilmente eles irão além da prova, da resposta pedida, prevê, continuando:

– Ontem, uma aluna minha de licenciatura fez um trabalho a respeito da interação aluno e professor em relação ao pensamento crítico. Ela me contou que, em seu estágio, a professora apresentou uma notícia de jornal à turma. Ao perceber que uma menina estava com dúvidas, a estagiária se ofereceu para orientá-la esclarecendo que deveria pensar na função da notícia. A aluna pensou em várias questões, inclusive envolvendo ela própria e seu ambiente, mas na hora em que a professora foi anunciar a resposta, simplesmente disse que o papel da notícia era informar, e mandou que anotassem isso no caderno. O que ela fez foi limitar as possibilidades pensadas pela aluna, que iam muito além da notícia. Essa é a escola que ainda prevalece, a despeito de computadores e tecnologias, reconhece a coordenadora.

De acordo com a pesquisa, deseducar a educação não diz respeito a uma escola, mas a uma concepção de educação que está prisioneira de princípios epistemológicos que a ciência já superou. A experiência social, política, cultural, artística de uma pessoa altera seu cérebro, opera mudanças fisiológicas, que têm a ver com o modo como ela vive a experiência. “A singularidade no processo de aprendizagem não quer dizer que não se possa ter métricas de avaliação, mas o que fundamentalmente o que as provas externas medem são as habilidades, e essas habilidades não são construídas pela repetição, pela limitação do pensamento nem pela incapacidade de formular perguntas”, adverte Rosália.

 Precisamos gestar as bases sobre as quais as transformações educacionais poderão se dar. Ninguém tem a resposta de como se transforma a educação porque isso tem a ver com políticas públicas, com a redução das desigualdades, com a valorização dos professores. Por isso não nos cabe dizer como a escola deve funcionar na prática. Nossa proposta é desenhar um arcabouço teórico que sirva de base, que possa orientar a formulação de um processo de inovação, de transformação profunda nas concepções de educação e de ensino.

Outra perspectiva abordada pelo estudo parte do princípio de que a cognição é distribuída entre o sujeito, os instrumentos e as pessoas: “os objetos, as palavras, os conceitos, os materiais fazem tão parte do meu processo cognitivo quanto o que está dentro de mim, quanto o meu cérebro, a minha mente e o meu próprio corpo. Essa interação é parte do que eu penso é parte do que eu sou”.

 Quem foi criança há 40 anos ou mais, sabia os telefones de todos os parentes, datas de aniversário. Hoje, temos tudo na memória do nosso celular. Quando damos aula, quando escrevemos, uma gravação faz parte do que estamos escrevendo. Hoje, há um monte de recursos que, embora estejam fisicamente fora, eles são parte do que pensamos. Eu não consigo mais escrever um artigo de 12 páginas à mão, e sabemos que até o modo de pensar mudou quando passamos a escrever no computador: as interrupções, as consultas de uma palavra na internet que podem levar a um outro artigo, a um novo material...  Essa é a ideia de uma interação do sujeito com os objetos inanimados que fazem parte do processo cognitivo, define. E exemplifica:

 Um jornalista, no meio da selva amazônica, desprovido de tecnologia, vai produzir um tipo de texto diferente do que um jornalista da cidade – não necessariamente melhor ou pior, apenas diferente, porque o processo cognitivo também depende das coisas às quais temos acesso. É pensar que esses recursos, essa máquina são parte de nós, não os objetos em si, mas o que eles carregam. Tecnologia é qualquer recurso adicional de que se lança mão para ajudar a fazer algo que não se faria sozinho. Até o quadro, o giz, o caderno são tecnologias cognitivas. Nossa memória melhora com as anotações de aula, há uma série de pesquisas mostrando que um simples registro no caderno faz com o que um conteúdo permaneça na gente por mais tempo.

Práticas – Após a fase teórica, que culminou com o lançamento do livro, os pesquisadores agora estão em processo de levantar e conhecer iniciativas que estão colocando avanços nas práticas educacionais em prática e como estão fazendo isso. “Temos encontrado vários exemplos interessantes no país. Nos últimos anos, foram criados muitos prêmios, levantamentos, bancos de dados, maneiras de levantar dados sobre educação escolar que permitem identificar iniciativas que rompem com os padrões previamente estabelecidos, entendendo que cada contexto deve pedir uma escola e que não existe uma escola que seja válida para todos as realidades e espaços”.  




Publicada em: 06/06/2023