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Vice-reitoria para Assuntos Acadêmicos

Pesquisa, Desenvolvimento e Extensão

Por Renata Ratton Assessora de Comunicação - Vice-Reitoria para Assuntos Acadêmicos
Uma luz para a pesquisa social e humana em tempos de Covid-19

Guia lançado pelo LabMet (IRI) e dhLab (PUC) busca transmitir estratégias inovadoras, dicas, ferramentas, além de reunir contribuições diversas de pesquisadores e instituições

Doutorandas Ana Carolina Lacerda e Laís Ramalho, do LabMet, do IRI, e do dhLab PUC-Rio, elaboraram o Guia, sob a coordenação dos professores Isabel de Siqueira e Bruno Magalhães - Fotos: arquivos pessoais


A interação social interrompida pela pandemia trouxe obstáculos difíceis de transpor para as pesquisas em ciências sociais e humanas e, ao mesmo tempo, um cenário global totalmente modificado.

A necessidade de repensar práticas e metodologias se impôs em um período que alia estagnação, transformação e deixa muitas perguntas no ar... Como realizar pesquisas que exigem trabalho de campo? É possível realizar entrevistas ou atividades de observação participante a partir da própria casa? Quais outros métodos poderiam ser importantes nesse momento? Como manter um projeto de pesquisa relevante frente a essa brusca transformação mundial?

O Laboratório de Humanidades Digitais e o Laboratório de Metodologia (LabMet) se uniram nessa empreitada e dela nasceu o Guia da Pesquisa em Quarentena. O documento foi elaborado pelas doutorandas do IRI Ana Carolina Lacerda e Laís Ramalho, assistentes de pesquisa, sob a coordenação dos professores Isabel de Siqueira e Bruno Magalhães. Segundo Isabel de Siqueira, coordenadora do LabMet, a ideia da elaboração foi auxiliar todos os pesquisadores e pesquisadoras, além de contribuir com dicas e estratégias para o período da pandemia.

– Acreditamos que ele também poderia ser útil nos casos em que sejam necessárias adaptações por conta do isolamento social e desenvolvimento de estratégias para pesquisas que precisam seradaptadas por razões outras, como a dificuldade de acesso às fontes primárias, por exemplo, observa Isabel.

Para a elaboração do Guia, os laboratórios se basearam em dezenas de questionário circulados entre docentes e discentes de pós-graduação dos departamentos e institutos de Humanidades e Ciências Sociais da PUC-Rio. As questões apresentadas tinham como objetivo compreender as principais dificuldades na condução da pesquisa acadêmica durante a pandemia e conhecer quais estratégias as pesquisadoras vinham adotando desde então para transpor esses obstáculos. Segundo Isabel, o objetivo do Guia é oferecer um panorama da situação de pesquisa nas áreas, atualmente no Brasil, tendo em vista a pandemia, bem como apresentar alguns obstáculos e caminhos possíveis para a condução de variadas pesquisas, com base nas respostas e sugestões dos questionários e nas análises das doutorandas.

– O documento oferece um breve resumo do contexto originado pela pandemia e uma discussão sobre como ela vem afetando a educação superior e a produção científica mundial, chamando atenção os aspectos especificamente relacionados a questões de gênero, classe e raça. Oferece também um levantamento de métodos e metodologias de pesquisa que podem ser utilizados para a adaptação de pesquisas em contextos de isolamento social, com exemplos de artigos, websites, bibliografia especializada e sugestões de plataformas para a realização de surveys, entrevistas e armazenamento de dados qualitativos, explica.


Sobre os laboratórios envolvidos:

LabMet – A professora Isabel de Siqueira coordena o LabMet desde sua criação, em 2015 (www.labmetodologia.com). O LabMet tem papel de formação junto a pós no IRI; organiza dois minicursos de metodologia e uma oficina de método todo semestre, sempre também com vagas para externas.

Segundo a coordenadora, é uma importante orientação do LabMet a democratização do conhecimento, com a edição de um livro todo ano – junto à Editora PUC-Rio e com o aporte do IRI –, com contribuições das professoras convidadas para aqueles cursos. Os livros ficam disponíveis para download gratuito, bem como todo o material dos cursos. O objetivo geral é contribuir com material que apoie a pesquisa em Ciências Sociais no Brasil. O Guia de Pesquisa na Quarentena, nesse sentido, é mais uma dessas contribuições.

dhLab – O projeto-base do dhLab, por sua vez, foi elaborado pelos professes Bruno Magalhães e Isabel de Siqueira, e contou com fundos da FINEP e amplo suporte da própria PUC-Rio. O projeto do dhLab é liderado, dentro da Universidade, pela professora do IRI Mônica Herz, vice-decana setorial de pesquisa do Centro de Ciências Sociais, pelo professor Luiz Roberto Cunha, decano, e pela professora Monah Winograd, do Centro de Teologia e Ciências Humanas, que vêm cumprindo a missão de mobilizar os departamentos para erguer esse laboratório transdisciplinar.

De acordo com Isabel de Siqueira, o dhLab ocupará um espaço no Matteo Ricci, já em construção antes do isolamento. O espaço terá diversas áreas para uso docente e discente (pós) do CCS e do CTCH em parceria com a Informática. O dhLab já tem um conselho, formado por 22 professores da PUC, de diferentes departamentos. Algumas reuniões já foram realizadas, organizadas pelo decanato do CCS, no intuito de gerar sinergias importantes para pensar e se engajar criticamente com tecnologias e o mundo digital a partir dos aportes das Humanidades. O site está em construção.


O processo – entrevista com as doutorandas Ana Carolina Lacerda e Lais Ramalho


As doutorandas do IRI Ana Carolina Lacerda e Lais Ramalho, autoras do Guia da Pesquisa em Quarentena, conversaram com a Assessoria de Comunicação da Vice-Reitoria para Assuntos Acadêmicos sobre o trabalho.


Ascom/VRAC – Quais foram as principais dificuldades levantadas e caminhos apontados?

Laís RamalhoLaís Ramalho: Nossa pesquisa aponta uma série de dificuldades impostas pela pandemia ao trabalho acadêmico. A necessidade de isolamento social impede, por exemplo, o acesso a laboratórios, bibliotecas e outras estruturas indispensáveis para a pesquisa acadêmica, uma vez que a maioria das universidades e centros de pesquisa estão fechados ou com acesso limitado. Alunos que dependem, por exemplo, do acesso à internet disponibilizado pelas suas Instituições de Ensino Superior encontram uma considerável barreira à pesquisa durante a quarentena. Também se tornou mais difícil realizar projetos que envolvam pesquisa de campo, especialmente, aquelas com populações vulneráveis – que não podem ser facilmente contatadas porque não dispõem de meios de comunicação como o celular ou as redes sociais.

Ana LacerdaAna Lacerda: Quando pensamos em limitações à pesquisa acadêmica na pandemia é comum uma associação imediata com pesquisas que são desenvolvidas em laboratórios, principalmente nas áreas biomédicas e exatas. Entretanto, assim como as demais atividades laborais, a pesquisa nas áreas de humanas e sociais também foi muito afetada pela imposição do isolamento social. Para compreendermos melhor como isso se materializava no dia a dia dos pesquisadores, enviamos um questionário aos professores e pós-graduandos dos departamentos de humanidades e ciências sociais da PUC-Rio. Obtivemos 64 respostas das mais diversificadas: alguns pesquisadores afirmaram que suspenderam suas pesquisas enquanto a pandemia durar, pois desenvolvê-las dentro de casa conciliando-as com as outras atividades relacionadas ao trabalho reprodutivo tornou-se inviável; outras disseram que adiaram a pesquisa de campo e, no momento, priorizavam estudos teóricos. O problema é que, dependendo do estágio da vida acadêmica em que o pesquisador se encontra, “adiar” ou “suspender” a pesquisa não é uma opção quando se tem prazos a cumprir, seja do mestrado, do doutorado ou para o desenvolvimento de um projeto com algum tipo de financiador público ou privado.

Laís RamalhoL.R: Entre os caminhos apontados, sugerimos inúmeras ferramentas, métodos e metodologias que podem ser realizados (pelo menos, parcialmente) a partir de casa. Além disso, discutimos a importância de levar para o universo da pesquisa o contexto que estamos vivenciando. Acreditamos que, em vez de apenas desviar dos obstáculos impostos pela pandemia, a pesquisa acadêmica na área de ciências sociais e humanas pode fazer uma importante contribuição ao analisar inúmeros temas sob as lentes oferecidas por essa conjuntura. Nesse sentido, sugerimos adicionar perguntas como “o que a pandemia provoca no fenômeno X?”, “quais novas abordagens esse ponto de vista pode trazer?”.


Ascom/VRAC -
Há algo semelhante sendo feito em outros países?

Laís RamalhoL.R.: Ao longo da pesquisa, notamos que as universidades estrangeiras têm oferecido instruções gerais aos alunos e pesquisadores, que envolvem principalmente o acesso ao campus, às plataformas online de ensino ou mesmo dicas para manter a saúde mental durante o isolamento. Também vimos algumas iniciativas, como a da revista Nature, de discutir como o trabalho científico e acadêmico devem se transformar com a pandemia das SaRS-Cov-2. Na elaboração do Guia de Pesquisa na Quarentena, decidimos aliar esses dois formatos: dicas para o dia-a-dia da pesquisa e uma análise geral do cenário para as ciências sociais e humanas, incluindo as especificidades locais. É preciso lembrar que a desigualdade social e econômica no Brasil também é um fator complicador de diversos dos efeitos negativos provocados pela pandemia e isso, é claro, também se reflete nas condições socioeconômicas dos pesquisadores e nos recursos ou mesmo no tempo disponível que estes terão para dedicar às suas pesquisas. Além disso, nos preocupamos em oferecer ferramentas, métodos e metodologias que possibilitem ou, pelo menos, facilitem prosseguir com as pesquisas durante o isolamento social. Sabemos que uma das partes mais importantes do trabalho acadêmico e científico é estar em contato com o mundo. O que fizemos foi reunir possibilidades de estabelecer esse contato a partir de casa.

Ana LacerdaA.L: Algumas universidades oferecem cursos, outras disponibilizam podcasts com orientações. No Brasil, por exemplo, a UFABC elaborou uma lista com dicas de atividades que os pesquisadores poderiam fazer durante a pandemia. Citamos algumas dessas iniciativas no Guia e disponibilizamos o link direto para acessá-las. Não podemos afirmar que nenhuma universidade produziu algo semelhante em meio a contribuições tão diversas, mas acredito que o que nosso Guia faz diferença também pela tarefa de compilar muitas dessas informações em um só material escrito e com acesso facilitado.


Ascom/VRAC
- Que estratégias interessantes foram identificadas para seguir com a pesquisa?

Laís RamalhoL.R.: Considerando que cada pesquisa tem sua identidade e especificidade, acreditamos que a estratégia mais importante é fazer o máximo a partir do que se tem. Nós pesquisadores temos nossas preferências e intimidades com certos métodos e com certas ferramentas, que funcionam muito bem em situações normais, mas que acabaram se tornando praticamente inacessíveis com a crise desencadeada pelo coronavírus. Buscamos oferecer, no Guia de Pesquisa na Quarentena, algumas metodologias que funcionam bem no ambiente virtual, como a intertextualidade, a ciberetnografia e a ciberpraxiografia. De forma geral, no entanto, sabemos que o passo mais importante é não ter medo de diversificar seus meios e de testar novas possibilidades. Sugerimos inúmeros aplicativos e plataformas de processamento de dados que podem oferecer novas perspectivas para observar o material que o pesquisador já tem; a possibilidade de trocar ideias com pesquisadores que trabalham ou já trabalharam com determinado tema como forma de coletar dados secundários que contribuam para a pesquisa; e até mesmo uma série de tours de realidade virtual em museus, bibliotecas com catálogos riquíssimos disponibilizados online e cursos gratuitos que podem ajudar a renovar as ideias ou mesmo demonstrar como é possível ter um olhar criativo e curioso sobre o mundo mesmo a partir das nossas casas.

Ana LacerdaA.L.: Como pesquisadores de humanas e sociais há uma espécie de entendimento comum da necessidade de adaptar as metodologias para o ambiente virtual a partir a utilização de métodos como entrevistas e questionários online ou realização de uma etnografia virtual (ciberetnografia ou netnografia), o problema é que, por mais que houvesse esse entendimento “comum” entre os pesquisadores, poucos são os que têm experiência na realização dessas atividades online. Nesse sentido, muitos tinham uma ideia “do que fazer”, mas estavam perdidos no “como”. Portanto, o Guia busca apresentar outras possibilidades de condução da pesquisa  e, principalmente, oferece uma série de dicas de ferramentas virtuais que podem ser utilizadas nesse processo, mencionadas pela Laís, além de indicar outras possibilidades metodológicas e as respectivas referências especializadas.




Publicada em: 10/08/2020