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Vice-reitoria para Assuntos Acadêmicos

Prêmios e Destaques Acadêmicos

Por Renata Ratton Assessora de Comunicação - Vice-Reitoria para Assuntos Acadêmicos
Daniel Mograbi, da Psicologia, é agraciado com Early Career Award, conferido pelaInternational Neuropsychological Society

Pesquisador é primeiro latino-americano a receber o prêmio, que reconhece as contribuições científicas à neuropsicologia nos primeiros dez anos de carreira

Anosognosia. Palavra difícil para definir um estado ainda mais: a falta de conhecimento que pacientes psiquiátricos ou neurológicos têm sobre sua doença. E foi em torno do tema da autoconsciência que o professor Daniel Mograbi, da Psicologia, construiu uma trajetória de excelência em pesquisa, coroada pelo Early Career Award da International Neuropsychological Society.

- O prêmio considera meu percurso desde o doutorado, fui indicado pelo meu ex-orientador, o professor Robin Morris, do King´s College London. Também tive cartas de apoio de peso, como a do professor Mike Kopelman, renomado cientista no estudo de memória, conta o pesquisador.

"A ideia é entender como funciona o processo da autoconsciência e explorar, enquanto processo múltiplo, em que situações devemos buscá-lo e em que situações a sua busca pode ser prejudicial."

Além do mérito acadêmico de seus estudos – revelado por outras distinções mencionadas adiante - Mograbi destaca como diferenciais, para a premiação, a capacidade de publicação, de atração de financiamentos e colaborativa; “ajudou muito o fato de eu ter diversas interações de pesquisa internacionais, a perspectiva global é muito importante”.

A autoconsciência é o tema central dos trabalhos do professor junto a seus orientandos e parceiros dentro e fora do país. Trata-se de um tema transversal, que abrange desde a pesquisa teórica até a intervenção. A variedade de abordagens o fascina, na medida em que pode trabalhar desde aspectos culturais amplos até questões como a atividade elétrica do cérebro.

- Depois de um certo amadurecimento inicial, posso dizer que meu tema é autoconsciência em pacientes psiquiátricos e neurológicos. Eu digo isso porque, embora a maior parte do meu trabalho tenha sido com pacientes portadores de demência e transtorno bipolar, hoje, tenho estudos na área da epilepsia ou da dissociação no transtorno do estresse pós-traumático, por exemplo. O autoconhecimento é um tema transdiagnóstico, podendo ser estudado em diferentes populações clínicas.

De acordo com o professor, diferentes quadros clínicos podem ser modelos para se pensar a influência de variáveis na autoconsciência.

- A demência é relevante para a relação memória, neurodegeneração e autoconsciência; o transtorno bipolar para entender a relação entre humor e autoconsciência, já que um muda em função do outro... A ideia é entender como funciona o processo da autoconsciência e explorar, enquanto processo múltiplo, em que situações devemos buscá-lo e em que situações a sua busca pode ser prejudicial. Hoje, o plano é que se possa ampliar esse programa de pesquisa para outros quadros clínicos, assim como para diferentes intervenções, ações que possam promover a autoconsciência. É preciso também diferenciá-la de autorreferência – o paciente que refere, excessivamente, as coisas a si próprio, o que é potencialmente adoecedor, estando presente em quadros de ansiedade, depressão, TOC, observa.

Trajetória de excelência - Daniel Mograbi cursou doutorado no Institute of Psychiatry, Psychology & Neuroscience, do King´s College London, um centro de referência para pesquisa em saúde mental, de 2007 a 2011. Sua tese de doutorado buscou entender como pessoas com demência, em particular portadores da Doença de Alzheimer, apesar de não demonstrarem consciência explícita de seus problemas, podiam reagir à informação emocional relacionada a seu problema.


Daniel Mograbi: reconhecimento pela
International Neuropsychological Society
- Foto: arquivo pessoal

A tese investigava os chamados processos implícitos, não-conscientes, e constatou que, de fato - mesmo quando pareciam ignorar algo que se relacionava a eles -, ao serem submetidos a determinadas situações de dificuldade, os pacientes tinham uma reação emocional coerente e parecida com a de idosos saudáveis. “Isso tem uma implicação muito importante para o cuidado dessas pessoas”, salienta Mograbi.

Na Universidade, a carreira do professor Daniel Mograbi teve início em 2012, junto com os professores do Departamento de Psicologia Jesus Landeira-Fernandez e Helenice Charchat. Seu primeiro trabalho com o professor Landeira foi editorial, em um periódico; com a professora Charchat, realizou o pós-doutorado. Em 2015, ingressou como professor do quadro principal.

- Nesses três anos antes da contratação, um acontecimento digno de nota foi ter sido chamado, em 2014, para ministrar uma palestra na clínica Salpêtrière, em Paris, durante congresso comemorativo do centenário da primeira publicação sobre anosognosia, termo cunhado pelo neurologista francês Joseph Babinski.

Do ponto de vista de publicações, Mograbi destaca dois artigos que considera especiais, ambos publicados no periódico Cortex, um expoente na área.

- Um deles, apesar de curto, definia Anosognosia. Foi muito laborioso e demandava o consenso de outros cinco pesquisadores de referência na área. Além do prestígio do periódico, foi muito bacana definir o termo. O outro, produzido em conjunto com a minha primeira aluna de doutorado, Elodie Bertrand, foi importante para me mostrar que poderia, aqui no Brasil, realizar uma pesquisa de nível internacional orientando uma aluna. O trabalho foi sobre como parte da Anosognosia, na demência, pode ser causada por fatores que têm a ver com a relação memória - estado de humor. A gente fazia com que as pessoas melhorassem a consciência sobre ter uma doença, a partir de tarefas. Os participantes expostos a uma tarefa difícil, ao serem perguntados sobre as dificuldades, desenvolviam melhor o autoconhecimento, mas apenas se essas tarefas fossem de memória.

Mograbi explica que a ausência plena de autoconhecimento em relação à doença tem um impacto deletério, pela falta de adesão ao tratamento, por não se evitar comportamentos de risco ou pelo aumento da sobrecarga do cuidador. “Em última instância, buscamos um melhor engajamento do paciente ao tratamento. Esse autoconhecimento precisa, por outro lado, ser manejado de uma forma muito sutil”, alerta.

Em outro trabalho, o pesquisador comparou pacientes com demência de diferentes regiões mundiais e de diferentes culturas – Índia, China e América Latina – em relação à consciência da doença. Na Índia, por exemplo, verificou-se que a prevalência da baixa autoconsciência é alta, inclusive entre os próprios cuidadores, pela forma como conceituam doença, problemas, envelhecimento.


O pesquisador, em seu laboratório,
tendo, ao fundo, uma neuroimagem
utilizada em uma das pesquisas
conduzidas - Foto: Renata Ratton/Vice-Reitoria
para Assuntos Acadêmicos

- Valores culturais fazem com que eles pensem de forma diferente a existência dos sintomas. Acham, por exemplo, que a perda de memória é parte natural do envelhecimento. Este é um nível bem alto de abordagem social, mas, ao mesmo tempo, estamos trabalhando em um artigo sobre o impacto de redes neurais na autoconsciência, a partir de neuroimagem.

O artigo, em finalização, sobre conectividade neural, busca entender como as redes neurais levam a maior ou menor consciência. A pesquisa utiliza uma técnica específica de neuroimagem, chamada DTI. Em outro projeto, o professor Mograbi está olhando para a atividade elétrica do cérebro vinculada a eventos, assinaturas elétricas chamadas potenciais evocados. “Diante de certas ações, o cérebro realiza pequenos disparos. Estamos analisando esses disparos quando cometemos um erro; mas em pacientes com demência queremos verificar se esse sinal, de alguma forma, está atenuado, se o processo patológico está atuando nisso”.

Outro paper importante na jornada do pesquisador abordou o conceito de consciência implícita, nas palavras dele, um oxímoro.

"A informação é processada no cérebro em diferentes níveis. O cérebro tem uma característica fascinante, ele evoluiu pelo acúmulo de camadas. Uma observação frequente é de que a mesma informação é processada em diferentes caminhos. Muitos caminhos não passam pela experiência consciente."

- O quanto sabemos, sem saber que sabemos? Um doente não reconhece a própria paralisia, mas faz referências simbólicas, piadas em relação a ela, sugerindo que, em algum nível, essa informação está sendo processada. Estamos para iniciar um estudo usando expressões figurativas. Vamos fazer perguntas diretas do tipo: ‘Você tem problema de memória’?, e depois as refaremos de forma figurada, algo do tipo: ‘sua memória o deixa na mão, de vez em quando’?. Adaptamos a versão inteira do questionário usando uma forma muito sutil de perguntar, para checar se essa adaptação vai melhorar a expressão dos pacientes em relação aos problemas, explica.

- A informação é processada no cérebro em diferentes níveis. O cérebro tem uma característica fascinante, ele evoluiu pelo acúmulo de camadas. Uma observação frequente é de que a mesma informação é processada em diferentes caminhos. Muitos caminhos não passam pela experiência consciente. Parte do processamento do medo, por exemplo, é automática e não-consciente. Se virmos algo se mexendo, a informação visual é processada por dois caminhos diferentes. Um é mais lento, mediado pelo conhecimento prévio, pela linguagem; o outro é um caminho rápido: nosso coração dispara, damos um pulo, e só depois vamos ver se era uma cobra, uma sombra ou algo que caiu. É altamente adaptativo fazer isso porque, se ficássemos olhando, antes de ter uma reação, e fosse uma cobra, poderia ser tarde demais para qualquer ação. Então é melhor darmos o pulo primeiro e depois constarmos que era uma folha.

Segundo Mograbi, os caminhos não-conscientes para o processamento da informação são muito importantes e parte da arquitetura cerebral; por outro lado, cada vez mais constata-se que o nível de complexidade das informações processadas fora da consciência é relativamente alto.

- E aí vem a questão da autoconsciência. Talvez parte da nossa autoconsciência não seja consciente, ou seja, temos informações sobre nós mesmos que sequer sabemos que temos, e isso pode influenciar nosso comportamento, nossa forma de agir; mas é claro que isso tem um limite e que os processos conscientes são muito mais poderosos para influenciar nosso comportamento, pois seu repertório é muito maior. Por isso, é necessário estimular essa autoconsciência. Dentro de alguns parâmetros, ela pode ser muito salutar. Terapias, agentes farmacológicos são formas de gerar insights, de melhorar o autoconhecimento. Fora da consciência, o nosso raio de ação é muito limitado. Por outro lado, há a questão ética de até que ponto é desejável, do ponto de vista pessoal e clínico, ter a autoconsciência. Até onde ir com esses processos? O mais importante, em nossa concepção, é ofertar as informações para que o paciente e a família possam tomar a melhor decisão possível. Não é desejável validar uma narrativa de um paciente de que não existe problema algum, se o problema existe. A linha é tênue e temos que pensar de que formas podemos aumentar a qualidade de vida do doente, e se essas formas podem passar ou não pela autoconsciência. A meta é sempre o aumento da qualidade de vida, da funcionalidade.

Neste sentido, uma linha em que o pesquisador começou a trabalhar mais no laboratório é a de intervenções. “Há um projeto muito relevante, quase pronto para disseminar pelo país, que compreende uma terapia de estimulação cognitiva para pessoas com demência; trouxemos da Inglaterra um tratamento que é implementado amplamente lá”.

O projeto abrange atividades em grupo, lúdicas, com jogos que estimulam a mente das pessoas. “Descobrimos, no Brasil, em nossa amostra, que isso diminuía a depressão e aumentava a funcionalidade das pessoas com demência”.

De 2016 a 2019, o projeto foi financiado por uma Newton Advanced Fellowship, concedida ao professor Mograbi pela Royal Society e a Academy of Medical Sciences, UK. O financiamento cobre a adaptação e validação da versão brasileira da terapia de estimulação cognitiva.

- Estamos preparando o site, o manual, vamos treinar pessoas. É uma terapia muito barata, e achamos que pode ser implementada em ampla escala, por meio dos facilitadores. Temos, agora, um novo financiamento internacional, da Global Alliance for Chronic Diseases, Medical Research Council, para o teste da implementação ampla da terapia no Brasil. Já publicamos um artigo sobre adaptação ao cenário brasileiro no periódico Ageing and Mental Health, e, agora, estamos escrevendo outro com dados quantitativos. À frente, abordaremos a neuroimagem.

Transtorno bipolar – Um dos focos de pesquisa do professor Mograbi tem sido o trabalho com pacientes bipolares. Seu primeiro estudo nesta área se deu em parceria com o Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB), em 2014, e o interesse era pensar como o humor poderia influenciar na autoconsciência.

- No transtorno bipolar, a alteração de humor de uma mesma pessoa muda seu estado de autoconsciência; se ela está em mania, ou hipomania, tem baixíssima autoconsciência, ao passo que no estado depressivo, ela sabe mais sobre seu estado. Uma pesquisa em andamento busca analisar memórias de pacientes bipolares em diferentes fases. A partir de palavras-chave que tenham a ver com o quadro clínico, queremos analisar como conseguirão dar detalhes de memórias, em diferentes estágios do transtorno. Nosso entendimento é de que estados de consciência depressivos acentuam memórias tristes e vice-versa, e que isso pode explicar a baixa autoconsciência de dificuldades durante o estado de mania.

Ainda em relação ao transtorno bipolar, Mograbi destacou um artigo publicado no Journal of Affective Disorders, com base em estudo que acompanhou 48 pacientes, durante dois anos. No período, os pacientes passaram por quatro estados de humor: eutimia, que é o estado normal de humor, depressão, mania e estado misto, o mais raro. “Só de a gente ter conseguido acompanhar a mesma amostra, as mesmas pessoas, por dois anos, já foi muito importante. Conseguimos identificar como a autoconsciência variava ao longo do tempo em função do humor do paciente”.

Em parceria com o professor Alberto Raposo, da Informática, Daniel Mograbi está desenvolvendo um app para auxiliar pacientes com transtorno bipolar a identificarem se estão entrando em estado de mania, onde há baixa autoconsciência.

- Ainda na parceria com a Informática, desta vez com o professor, Markus Endler, estamos criando um programa de computador que dá respostas emocionais para interações por texto. O programa pode “ficar feliz ou triste”, dependendo de como falamos com ele. Achamos que uma aplicação clínica pode ser em pacientes que tenham dificuldades de interação social, como, por exemplo, pacientes dentro do espectro do autismo. A ideia é que os usuários do aplicativo possam treinar sua capacidade socioemocional, de comunicação. Além de aplicações clínicas, o software poderá ser aplicado em capacitação profissional, na interação humano-máquina...





Publicada em: 12/09/2019