Pesquisa, Desenvolvimento e Extensão
Instituto figura como importante referência na área da Cooperação Sul-Sul no Brasil, principalmente pelos trabalhos desenvolvidos no âmbito do BRICS Policy Center, think tank vinculado
Isabel de Siqueira (terceira, a partir da esquerda) integrou o painel feminino no BAPA +40 - Foto: divulgação
A professora do Instituto de Relações Internacionais Isabel Rocha de Siqueira participou do BAPA+40, em Buenos Aires, evento organizado em parceria com o Escritório de Cooperação Sul-Sul, da ONU (UNOSSC, em inglês), que abordou a Cooperação Sul-Sul para Paz e Desenvolvimento. Ela é principal autora do relatório comissionado pelo escritório, The Case for South-South Cooperation on Peace and Development, oficialmente lançado no encontro.
Em abril, a pesquisadora participou ainda, na ONU, em Nova Iorque, do Expert Group Meeting on SDG 17 in preparation for High-level Political Forum 2019: Harnessing the Means of Implementation through Multi-Stakeholder Partnerships to Build Inclusive and Equitable Societies, que envolveu discussões em torno de parcerias diversas para a garantia da inclusão e da igualdade na implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
O Instituto de Relações Internacionais é uma importante referência na área da Cooperação Sul-Sul no Brasil, principalmente pelos trabalhos desenvolvidos no âmbito do BRICS Policy Center, think tank vinculado, do qual Isabel Rocha de Siqueira também faz parte. Em entrevista à assessoria de comunicação da Vice-Reitoria para Assuntos Acadêmicos, ela fala sobre as experiências dos dois encontros e da importância do relatório e dos estudos desenvolvidos pela Universidade.
Qual a importância do BAPA+40 para a Cooperação SUL-SUL?
O BAPA +40 (em português, Plano de Ação de Buenos Aires – PABA) foi um marco na Cooperação Sul-Sul. O primeiro encontro, na capital da Argentina, em 1978, foi organizado sob os auspícios da ONU e gerou um documento que delineia como os países do Sul colaboram entre eles. Até então, havia apenas diretrizes, uma visão Norte-Sul (dos países chamados desenvolvidos para os países em desenvolvimento) do que seria o desenvolvimento e de como seria possível atingi-lo.
Quarenta anos se passaram sem que uma reunião do BAPA fosse realizada. Essa reunião foi de fundamental importância num período em que vivenciamos um ataque pesado ao multilateralismo, em que governos afins ao de Donald Trump atacam agências como a ONU, com a ideia de que se trata de uma agenda ‘de fora’, que não vislumbra os interesses nacionais. Entretanto, a Cooperação Sul-Sul, que é essa área específica da política internacional, sempre foi voltada para atender aos interesses dos países do Sul. É uma cooperação que tenta, em teoria, ser mais horizontal, mais solidária, a constituir capacidades que depois fiquem e possam gerar frutos locais, em todas as áreas de desenvolvimento.
Além do aniversário de 40 anos, a importância do encontro foi para, neste momento, lembrar daquele compromisso de investir na cooperação e também porque a Agenda 2030 da ONU coloca como um dos principais meios de sua implementação o investimento em parcerias, a fim de que países com mais dificuldades em algumas áreas possam ter algum tipo de compensação.
Como se deu a elaboração do relatório The Case for South-South Cooperation on Peace and Development, do qual foi a principal autora?
Esse relatório é fruto de um esforço cooperativo. Ele foi comissionado pelo UNOSSC e eu o escrevi como representante do Centro de Estudos e Pesquisas do BRICS (BPC - IRI). Tenho uma linha de pesquisa no centro, junto com a professora Manuela Viana, chamada Segurança e Desenvolvimento no Sul Global (SEED), e integramos, além de outros professores do BPC, a rede Global South Thinkers on Peace and Development, criada com o apoio da ONU, mas que congrega pessoas do Bahrein, África do Sul, Equador, Chile, Guatemala, Nigéria. A primeira reunião da rede foi na Guatemala, em outubro do ano passado. Esse encontro foi custeado pela ONU e deu o pontapé para iniciar o trabalho do grupo e lança-lo em fóruns internacionais, porque a partir dos conceitos, das teorias, das práticas dos autores do Sul Global, o relatório procura mostrar o que é a nossa visão da intersecção entre paz e desenvolvimento em nossos países.
O discurso predominante nos países do Norte, em relação à paz, por exemplo, é um discurso mais linear: o país está no conflito e sai do conflito. O nosso entendimento de paz, e da intersecção entre paz e desenvolvimento, é cheio de nuances, mais complexo. Um programa de combate ao HIV entre jovens contribui para a paz. Tudo depende do contexto em que se está. Esse conceito de paz depende de uma certa coesão social, que é construída por vários mecanismos – educação, saúde. Aí está a intersecção com o desenvolvimento, já que são áreas comumente atribuídas a ele.
Todos os grupos contribuíram com estudos de caso de suas instituições, revisão, foi um esforço muito valioso e intercultural. Há conceitos do árabe, trazidos pelo Bahrein, há estudos de caso da África, foi construído dessa forma. O relatório foi oficialmente publicado em março e eu o apresentei num painel no BAPA +40, que foi composto só por mulheres.
Qual o enfoque dos estudos desenvolvidos pelo IRI na área da cooperação Sul-Sul no Brasil.
A agenda da Cooperação SUL-SUL foi muito fomentada, aqui no IRI e no BPC, pelo professor Paulo Esteves, que foi diretor do Instituto e é o atual diretor do BPC. Esse é o tema com que ele trabalha mais proximamente e, hoje, temos essa identidade aqui no IRI e no Centro muito por causa dele. É, inclusive, uma das vertentes de nosso mestrado profissional.
Particularmente, acredito ser muito importante avaliar os dados da cooperação. Há uma dificuldade de produção em vários países do Hemisfério Sul – em muitos casos afetados por conflitos, golpes, onde houve trocas frequentes do poder –, onde nem sempre há memória institucional dos projetos realizados. Às vezes, é muito difícil acessar dados concretos sobre o que o país tem feito, e o Brasil também tinha um pouco essa dificuldade.
Por outro lado, as análises conjunturais são muito importantes, mas o que o grupo do BPC tenta fazer é extrapolá-las, trazer um pouco das teorias de relações internacionais, das teorias de desenvolvimento para pensar o que significam na prática: quais são as identidades, os valores, que tipo de agendas estão sendo avançadas com esses projetos. Criticar esse modelo também porque não é só porque fazemos diferente que necessariamente estejamos fazendo melhor; buscar, ainda, contribuições das epistemologias do Sul, como as cosmologias indígenas, tentando entender o que é importante para as comunidades beneficiadas com os projetos.
Supostamente, na Cooperação Sul-Sul deveríamos fazer diferente do Norte. Estamos fazendo? É importante, para além da análise conjuntural, trazer uma agenda mais teórica de discussão, uma análise mais profunda dos acontecimentos. Para mim, essa é a importância de estudar a Cooperação Sul-Sul hoje. Como fazer diferente, como não cometer os mesmos erros, como não usar a cooperação somente para interesses próprios? Faz parte da análise crítica acadêmica manter esses questionamentos.
O que destaca sobre as reuniões da ONU de que participou?
O BAPA + 40 teve a abertura do chefe do escritório da ONU para a Cooperação Sul-Sul, além de uma representante do mesmo escritório, que ajudou a fundar o Global South Thinkers e já foi fellow no BPC, Cecilia Milesi.
A mesa-redonda de que participei foi composta só por mulheres com experiências muito intensas e diversas. Contou com uma representante da Unesco – que apresentou um projeto interessantíssimo sobre o resgate de monumentos históricos e culturais em países que vivenciaram conflitos, como o Iraque, sublinhando a importância disso para a paz da população local, pelo sentimento de retorno à normalidade e da valorização de seus bens históricos.
Também participaram uma integrante do Instituto Legal da Argentina, que viaja, em cooperação, para zonas que viveram conflito, auxiliando famílias a reconhecer corpos em valas comuns e capacitando as equipes locais para lidar com restos deteriorados de guerra; e uma jamaicana, representante da Commonwealth, que responde pela área de Paz e Desenvolvimento de 53 países, que destacou a importância de se falar em meios de vida (liveliyhood) para populações que de pequenas ilhas, por exemplo, onde um desastre natural ou um vazamento de óleo pode extinguir as formas de sobrevivência de muitas pessoas. A mediadora era uma indiana que trabalha no departamento de Political Affairs da ONU.
O Expert Group Meeting on SDG 17 in preparation for High-level Political Forum 2019 foi uma reunião fechada, com cerca de 16 experts, para discutir parcerias inclusivas para a implementação do objetivo 17 da Agenda 2030.
No encontro, discutimos como captar parcerias e aproveitar as que existem de forma eficiente para catalisar fundos, apoio político, ideias, dados, enfim, para explorar tudo o que se puder tirar dessas parcerias no fomento à Agenda 2030.
Foi uma reunião fechada, sob Chatham House Rules (em que não se pode atribuir ideias a pessoas, com um relatório anônimo). Esse relatório vai alimentar os debates, em julho, High Level Political Forum da ONU, em Nova Iorque, sobre a implementação da agenda.
Isabel de Siqueira durante o Expert Meeting on SDG17 - Foto: arquivo pessoal