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Vice-reitoria para Assuntos Acadêmicos

Pesquisa, Desenvolvimento e Extensão

Por Renata Ratton Assessora de Comunicação - Vice-Reitoria para Assuntos Acadêmicos
Tecnologia de ponta da área de materiais coloca PUC-Rio em seleto grupo de pesquisadores, no mundo, a realizar pesquisa e desenvolvimento em fadiga de altíssimo ciclo

Internacionalização e parceria com indústria são destaques nos projetos do LABFADAC

O professor Marcos Venicius, do DEQM, durante sua apresentação no workshop Além dos 10E7 Ciclos: novo conceito em fadiga - Foto: Antonio Albuquerque, Núcleo de Memória


Inaugurado no início de abril, o Laboratório de Fadiga de Altíssimo Ciclo (LABFADAC), do DEQM/PUC-Rio, é o único na América do Sul, e um dos poucos no mundo, a realizar ensaios ultrassônicos de fadiga em materiais estruturais e biomédicos.

Através do projeto de P&D Saúde Estrutural de Virabrequins da Indústrias Termoelétricas, celebrado entre a PUC-Rio e a ENEVA, em 2017 – no escopo do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico do Setor de Energia Elétrica da ANNEL – foi possível a aquisição do equipamento USF-2000A.

"Com esta aquisição, apenas a PUC-Rio é pioneira no continente. Grandes empresas, que sequer ouviram falar de fadiga de altíssimo ciclo, têm agora a oportunidade de inovar na área de engenharia de materiais", observa o professor Marcos Venicius Soares Pereira, coordenador do laboratório. De acordo com Venicius, o projeto tem altíssimo valor tecnológico para usinas termoelétricas, que preveem o descomissionamento de eixos virabrequins de motores de grupos geradores após superlonga vida em serviço, cerca de 30 anos.

Fabricado pela empresa japonesa Shimadzu, o USF-2000A é dotado de tecnologia ultrassônica baseada em princípios físicos de ressonância, o que permite efetuar ensaios de fadiga com frequências de até 20 mil Hz, reduzindo, de maneira considerável, os tempos de ensaio. Após visita do coordenador à Universidade de Dortmund, na Alemanha, em 2017, o equipamento da PUC-Rio ainda sofreu um upgrade – foi agregado acessório que realiza uma pré-carga no corpo de prova de forma que a tensão média seja diferente de zero, se desejada.

– O novo equipamento permitirá que 109 e 1010 ciclos sejam alcançados em 14 horas e 6 dias, respectivamente. Para uma comparação entre tempos de máquina, em ensaios convencionais de fadiga, com frequências de 300 Hz, 109 e 1010 ciclos são atingidos em 4 meses e 3 anos, respectivamente. Ou seja, a tecnologia ultrassônica permite que a realização de ensaios de fadiga de longa duração seja factível com custos e tempos reduzidos. Essa é a grande novidade. Já no desenvolvimento de materiais, a aquisição de uma máquina de teste de fadiga de altíssima frequência permitirá estabelecer, de maneira mais apropriada, a relação de resistência à fadiga após 107 ciclos. Além disto, as dimensões dos corpos de prova, por serem reduzidas, se tornam atrativos para ensaios de materiais obtidos por manufatura aditiva.

Segundo o coordenador, o projeto com a ENEVA também dará uma contribuição importante para que se consiga prever, com mais segurança, a vida em fadiga de alguns componentes de motores diesel ou a gás das usinas termelétricas, em especial da térmica do Maranhão.

– A térmica tem unidades de geração a gás.  Seus motores são gigantescos, com comprimento e peso em torno de 13 m e 130 toneladas, respectivamente – com princípio de funcionamento similar ao dos automóveis, mas em escala consideravelmente maior. O eixo virabrequim é o coração de qualquer motor à explosão. É ele quem vai fazer o movimento dos pistões e, consequentemente, vai produzir o movimento das rodas, no carro, e o movimento do gerador, na produção de energia – esclarece.

Uma falha nesse componente implica na parada do motor. Além do considerável custo associado à troca do eixo em si, em muitos casos, há o custo do não despacho de energia; dependendo do contrato, muitas vezes é necessário buscar essa energia no spot, o que também representa um custo muito mais alto do que produzir a própria energia. “Parar de operar o equipamento está associado ainda ao lucro cessante. Então a falha, seja ela material, operacional, humana, é algo que sempre se tenta prevenir porque é totalmente danosa. O nome falha é um nome que, de maneira geral, a gente tenta evitar que aconteça”.

Venicius explica que a fadiga é a falha mais recorrente em Engenharia porque está associada com carregamentos cíclicos.

– Todos os componentes mecânicos, inclusive o ser humano, são carregados ciclicamente. O carregamento, em um primeiro momento, causa um dano; esse dano é intensificado se existirem concentradores de tensão como talhos, arranhões ou rachaduras (acúmulo de danos). Na presença desses concentradores, o dano nucleia e se propaga na forma de trinca; e a trinca leva à falha do componente mecânico. O que é danoso, quando se fala de fadiga, é que 90% do número de ciclos associados à fadiga causam danos ou trincas incipientes. Na grande maioria das vezes, quando se detectam trincas por métodos não-destrutivos já se está muito longe da extensão da trinca após sua nucleação, o que compromete de maneira considerável a vida útil do elemento. A nucleação é feita no plano crítico, e este é passível de cálculos matemáticos, depois passa a se propagar no plano de fratura até que chega na posição final da secção que ela desencadeia.

Eixo virabrequim – Coerentemente com o nome, trata-se de um componente mecânico de entendimento não trivial, com carregamentos que não são simples de entender e que causam uma flutuação de tensões considerável – sejam elas trativas, compressivas ou cisalhantes –, capaz de levar o componente a uma combinação de solicitações, seja em fadiga, seja em comportamento mecânico, que são esforços multiaxiais. Nesses componentes, a distribuição de tensões é muito mais complexa, e, para que se consiga fazer a previsão da vida, a primeira etapa é determinar, com exatidão, a distribuição de tensões no componente mecânico.

– Falando especificamente de motores à combustão, o eixo virabrequim é complexo pelo fato de os pistões não detonarem em ordem sequencial, sendo necessário um balanceamento para que isso aconteça, o que faz com que a distribuição de tensões dentro do motor – além da temperatura de operação do componente mecânico – não seja de avaliação trivial. Somente com simulações de elementos finitos é possível se chegar muito próximo do que acontece, com base em solicitações operacionais determinadas após instrumentação do componente.

Mais do que ter possibilitado a criação de um laboratório pioneiro na América Latina, o projeto de P&D coloca a PUC-Rio em um seleto grupo de pesquisadores do mundo.

– Algumas instituições da Alemanha trabalham com fadiga de altíssimo ciclo as universidades de Dortmund e Siegen são muito fortes; há um grupo japonês também importante, um pequeno grupo na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, outro na França, mas ainda são poucos os pesquisadores em fadiga de altíssimo ciclo. O convênio também já permitiu um intercâmbio de curta-duração, entre outros programados, e financiou as visitas a quatro universidades estrangeiras.

Fadiga de Altíssimo Ciclo – O que acontece com um componente quando ultrapassa 107 ciclos (10 milhões de ciclos)? Trata-se de um valor não tão exorbitante assim.

– Um paciente com um stent, se tiver 60 batimentos cardíacos por minuto, terá 60 movimentos de abrir e fechar no coração que atuam como um carregamento de fadiga em seu stent. Em uma hora, ele vai ter em 3.600 carregamentos e, em um dia, quase 90 mil. Ele terá algo em torno de 105 solicitações em um dia de uso de stent. Portanto, uma das grandes aplicações que se tem, hoje, da fadiga de altíssimo ciclo, é na área biomédica, sabendo-se que o carregamento que o ser humano tem é aleatório. Se a ideia é aumentar a qualidade de vida, é preciso considerar o uso de um stent entre 25 e 30 anos, como as próteses. A ideia agora é entender o que acontece com a curva original de Wohler (primeiro cientista a publicar sobre fadiga) se chegarmos a 1012 (um trilhão) ciclos, como pode acontecer com um rolamento que fica 30 anos girando dentro de um componente mecânico, o eixo virabrequim, por exemplo. Esses ciclos também são atingidos em um trem de alta velocidade (500, 600km/h). Se trafegar durante dez anos vai chegar a essa quantidade de ciclos dentro do período em serviço.

Para o coordenador, é por isso que a fadiga de altíssimo ciclo é cada vez mais importante de ser estudada, já que os componentes mecânicos tendem a uma longa ou superlonga vida em fadiga.

– Isso vai significar termos componentes mecânicos que não devam ser descomissionados antes de atingirem os 1012 ciclos, e é preciso saber se realmente a vida em fadiga do material do eixo e do componente em si, depois de um número de anos, realmente será viável ou não. Com os sistemas tecnológicos e até com o aumento da expectativa de vida do homem, estamos migrando de períodos de fadiga de alto ciclo – 106 ciclos – para períodos de fadiga superlongos. Isso já se sabe há muito tempo. A discussão era como fazer ensaios que previssem a fadiga com 1 bilhão de ciclos sem levar cinco anos.

Pesquisa e projetos – Embora recente, a pesquisa em fadiga que vai subsidiar os trabalhos em componentes de vida superlonga já conta com produção científica consistente: em 2017, foram defendidas a tese Contribuição na Avaliação da Vida Útil de Eixo Virabrequim sob Fadiga Multiaxial, por Roberta Amorim Gonçalves, e a dissertação de mestrado Estudo da Influência de Defeitos Microestruturais no Limiar de Fadiga de Aços Estruturais, por Leticia Bueno Nogueira. Em 2018, foram defendidas as dissertações Comportamento do Aço DIN 34CrNiMo6 em Fadiga de Altíssimo Ciclo, por Maria Clara Teixeira, Interação entre Aspectos Microestruturais e Iniciação de Trincas de Fadiga em Aços Estruturais, por Thiago Peixoto, Indicação e Dimensionamento de Trincas Aplicando Técnicas Tradicionais e Avançadas de Ensaios Não-Destrutivos, por Felipe Martins Roballo, e Avaliação Estrutural de Eixo Virabrequim sob Fadiga Multiaxial, por André dos Reis Feiferes. Em 2019, mais uma dissertação foi defendida, sob o tema Previsão da Vida em Fadiga de Eixos Virabrequim e Componentes Mecânicos Estruturais sob Carregamento Multiaxial, pelo aluno Tiago Lima e Castro.

A doutoranda Maria Clara Teixeira em intercâmbio no Instituto Politécnico do Porto - Foto: arquivo pessoal

Maria Clara Teixeira e Thiago Peixoto deram continuidade às pesquisas no doutorado; também atuam no projeto os doutorandos Tiago Castro e Helder Keitaro, os mestrandos Lucas Obeid, Guilherme Ribeiro, Bruno Pacheco e Juliana Correa, os formandos João Pedro Marinho e André Montalli, em seus trabalhos de conclusão de curso, e o aluno Rodrigo Lomonte, em projeto de Iniciação Científica.

O professor Marcos Venicius Pereira, que orientou e orienta todos esses trabalhos, menciona a apresentação de artigos em congressos internacionais da área de fadiga de materiais estruturais (12th International Fatigue Congress, Poitiers/França, 22nd European Conference on Fracture, Belgardo/Sérvia e 18th International Conference on New Trends in Fatigue and Fracture, Lisboa/Portugal), bem como a publicação em periódicos indexados.

– No histórico de parceria com a ENEVA, além das citadas teses e dissertações e da aquisição do equipamento Shimadzu USF-2000, podemos citar a criação do Laboratório de Fadiga de Altíssimo Ciclo (LABFADAC), as visitas técnicas ao Complexo Termelétrico Parnaíba, UTE-Parnaíba/Eneva no Maranhão; a cooperação científica com a Universidade de Brasília e a realização do workshop Além dos 10E7 Ciclos: novo conceito em fadiga – destaca.

Em termos de cooperação com a indústria e a academia, Venicius cita ainda conversas com a fabricante de aços Vallourec – cujo pessoal de desenvolvimento de produtos realiza ensaios na França – no sentido de realizar ensaios e desenvolver acessórios, junto com a Shimadzu, para testes de fretting fatigue (fadiga relacionada ao atrito). “Por sugestão do engenheiro Alexandre Galiani, da Petrobras, também vamos atuar na realização de ensaios em dutos, no âmbito de projeto desenvolvido pelo Laboratório de Soldagem da Coppe, UFRJ.

Internacionalização – A internacionalização é outro foco importante do projeto, que envolveu intercambio de curta duração da aluna Maria Clara Carvalho Teixeira no Instituto Técnico Superior de Lisboa, da Universidade de Lisboa para realização de ensaios de fadiga de altíssimo ciclo, bem como visitas técnicas às Universidades de Siegen e Dortmund (Alemanha) e Universidades de Lisboa e Porto (Portugal).

– Estamos trabalhando numa proposta de participação em rede de laboratórios para criar uma norma ISO de ensaios de fadiga de altíssimo ciclo. Não há como fazer uma aferição desse equipamento no Brasil. Os japoneses já têm uma norma de fadiga de altíssimo ciclo, mas não existe uma norma internacional. A ISO está querendo normatizar, mas para isso são necessários ensaios em cinco continentes. Agora, com o continente americano representado, estamos negociando, com a intermediação da Dra. Olesia Khafizova, do Innovation Center da Shimadzu, que o quinto país seja o Brasil, através da PUC-Rio.

Após o workshop, a Dra. Olesia Khafizova, do Innovation Center da Shimadzu, realizou demonstração do equipamento USF-2000A, disponível no recém-inaugurado LABFADAD - Foto: Antonio Albuquerque, Núcleo de Memória

Para a normatização ISO, a proposta é realizar um procedimento muito comum em laboratórios de tecnologia de ponta, o round robin, em que uma quantidade de corpos de prova circula entre pesquisadores que tenham equipamentos similares para que cada um realize seu teste e depois sejam comparados os resultados. De acordo com o professor, que atua junto à Rede Brasil-Alemanha de Internacionalização do Ensino Superior (Rebralint), a Universidade de Dortmund, da Alemanha, é um potencial parceiro para intercâmbios.

– A função da Rebralint é exatamente fazer acordos com as universidades e aumentar a divulgação dos acordos Brasil – Alemanha. A internacionalização com Dortmund seria um dos objetivos a realizarmos através da Rebralint.

O professor também sublinha a possibilidade de cooperação científica com a Ritsumeikan University, do Japão, bem como a nascente parceria com a Universidade de Lisboa, em Portugal, que desenvolveu acessório para fadiga biaxial, capaz de torcer e tracionar, simultaneamente, o corpo de provas durante o ensaio. “Queremos saber se o acessório funcionaria numa máquina Shimadzu”.




Publicada em: 10/05/2019